Artes Performativas a Solo
Cine-Teatro Garrett, Sala Principal
Tratando-se de um instrumentista que, salvo raríssimas exceções, tem já o costume de se apresentar a solo, dir-se-ia que discutir a presença de B Fachada num festival deste tipo terá o seu quê de tautológico. A não ser, claro, que se julgue necessário fazer uma segunda distinção: entre o músico a solo e o solista. Pois, a verdade é que, em concerto, B Fachada raramente dá mostras de estar só em palco: por tanto saltar de instrumento (do Pianet Hohner para a viola braguesa ou do sequenciador MPC para a guitarra elétrica), sim, mas também por tão frequentemente se socorrer de samples, programações ou pistas pré-gravadas – como se viesse demonstrar ao vivo aquela aptidão para estudos de natureza diversa que revelou em disco. E essa ênfase em valores de produção, na orquestração, na comunicação, ou o que se lhe quiser chamar, traz sob tantos aspectos tão grandes vantagens que nunca se poderá considerar propriamente depreciativa. A não ser, mais uma vez, que remeta para um plano inferior uma evidência que importará agora relevar: que, ao longo da sua carreira, é quando está sozinho ao piano que B Fachada aparenta gerar mais emoção. Pense-se em ‘O Ciúme e a Vergonha’ (2009), em ‘Só te Falta Seres Mulher’ (2009) ou em partes significativas dos emblemáticos “Deus, Pátria e Família” (2011) e do álbum homónimo do mesmo ano. Além de que quem o escuta há mais tempo imagina que muitas das suas canções mais populares – em discos como “B Fachada é Pra Meninos” (2010) ou “Criôlo” (2012) – tiveram uma gestação ao teclado. Será uma questão para este recital responder. É Fachada, o piano e os seus temas tal como vêm ao mundo.
Escreve canções que dão mostras de ser recebidas como ciência social, mas o inverso também é verdadeiro. Tem muitos descendentes, mas é mais que a soma dos por si influenciados. Na música popular portuguesa do século XXI não há outra figura como B Fachada, o nome artístico de Bernardo Fachada, compositor, multi-instrumentista, produtor. Nascido em 1984, estudou música no Instituto Gregoriano de Lisboa e aprendeu piano. Mais tarde, frequentou a escola do Hot Clube de Portugal e, na Universidade, cursou Estudos Portugueses. Desde 2007 tem-se notabilizado por um espantoso, e até certo ponto impiedoso, ritmo de edições, através do qual frequentemente subverte o cânone e converte os dogmáticos, baralha as expetativas e expetora a maralha, coça rótulos, caça ruturas. Entre formatos físico e digital, lançou cinco EP (destacando-se o remoto “Viola Braguesa”, uma reflexão sobre o conceito da tradição e suas traições, ou o split com as Pega Monstro, de 2015, em reflexo da amizade e acuidade estética), três mini álbuns charneira (“Há Festa na Moradia”, que teve edição física em vinil, “Deus, Pátria e Família”, que aparentou parar o país, e “O Fim”, com que anunciou uma pausa sabática) e seis registos de longa-duração (da discussão das questões de moral associadas ao universo infanto-juvenil de “B Fachada é Pra Meninos” e do manifesto de pop batumada que foi “Criôlo” até ao homónimo de 2014, criado com recurso a samples burilados, programações barrocas, batidas apátridas). O seu impacto conjunto testa os limites daquilo que, neste domínio, se entende por produção cultural.
Voz e piano B Fachada
Duração ≈ 60 minutos ● M/12
© Foto Mané Pacheco